"O Toural
O largo do Toural estava testo, era dia de feira… houve feitiço…
O Toural era praininho até casa do pesqueira (Guilhermino). Antes, ao travesse, do Sinfrónio às bazilias (Selina), havia uns cobertos de pedra a olhar para nascente, tinham um modo de umas parteleiras (prateleiras) onde os feirantes colocavam a mercadoria. Tinham fora um balcão que dava pelo peito da gente, p´ra lá por as coisas para cortar e medir. As casas do lado de baixo eram só terreiras, mas da D. Deolinda à do Mendonça (Serôdeas) já tinham sobrado. Na rua do Santo Antão , Santo que foi roubado pelos do Banho com o consentimento do Morgado, quem é que se atrebia (atrevia)naquele tempo?, do lado nascente também eram térreas, do outro lado havia duas ou três com sobrado a do Casemiro (Casimiro) e do rendas (Augusto mestre na alfaiataria), nesta rua morou inicialmente o João Teixeira (Barradas) soqueiro: era um bom negócio naquele tempo só se andava de tamancos, gastava-se uma boa porção de tamancos.
Do lado de cima havia térreas e com sobrado (Ermelinda co canto e bazilias eram térreas), as do Emes com sobrado, as da serrota (Maria, Marquinhas) foram construídas depois pois, moravam no cabo à ida para a ribeira de santarém era e seu marido Manuel Serrão.
O largo estava testo de animais e gente, atrás dos cobertos, do lado poente e do lado de cima eram juntas e juntas de bois grandes e pequenos, que vinham de todos os lados e freguesia., As cabras, ficavam também a poente do lado de baixo encostadas, com a sua natureza a querer trepar, ao muro que tapava a cortinha e eira (depois de ter cedido a eira para casa da escola) do Sinfrónio Rodrigues de Freitas.
Os outros animais ficavam do lado nascente…
Os animais não pediam licença, onde estavam faziam, os homens em caso de aperto vinham, acanhados e vigilantes, a coberto dos muros que seguiam o caminho das hortas e do Banho. Gente e animais partilhavam o espaço em encontrões constantes, se os bois eram mansos até serviam de encosto, as gentes e os animais respiravam o mesmo ar a mesma vida.
A D. Marquinha Cerdeira era irmã do Manuel Serrão, casada na Freiria com o senhor João Ricardo, (- ) que tinha duas burras piquenas (pequenas) a quem abria a porta e elas lá iam sozinhas p´ró o lameiro da fonte da Aboleira, ainda não havia estrada(-), foi à feira.
Naquela altura, as feiras eram no dia 16 e 27 e tudo o que podia não faltava: todos iam à feira, homens mulheres, casados solteiros, vender o que tinham, comprar o que podiam e claro ver e conversar, a feira era um espaço franco, um misto de mercado e festa.
A D. Marquinhas Cerdeira pensou:
- Agora que estou aqui, antes de me ir embora para casa, vou visitar o meu irmão e minha cunhada, mal parece lá não ir.
O seu irmão, como já foi dito, bibia (vivia) lá na borda da feira. Mas, como conseguiria ela passar naquele espesso de movimento aos repelões, de pernas e unhas que ferem o terreiro ao som das campainhas e da lambança.
Tinha que passar no meio daquele adjunto de bois e bosta para ir ao irmão. E, como é sabido cada animal tem quatro e só esses é que interessam aqui. Como isso não bastasse, quem queria vender ainda ajudava à dança picando os animais no cachaço para que estes parecessem mais altos, bonitos! para impressionar os potenciais compradores.
A mulher tentou, coitada que trabalheira teria tido, tentou por aqui, tentou por ali, avançou, recuou, foi avançando amarrada às paredes e estava já perto, estava quase. Caminhava naquela luta sozinha porque os bois eram um tropel e chão nenhum. Os homens lá estavam nos seus afazeres e pensavam que no meio dos bois não era sítio de mulheres.
Coitada! Diziam ser feiticeira, por certo má-língua da vizinhança, mas sabia pouco de bois e, um boi que também sabia pouco de mulheres quando viu que a não via, quer dizer ela roçou-se na traseira dos bois e, ai vai disto. Um coice! Um quarto abaixo! Reboliço, Gritaria! A Feira que era alegria virou Tristeza!
Veio o endireita as talas e o repouso mas, a coisa ficou sempre torta, sempre mancou. Obs. Paz à alma destes meus conterrâneos que podiam ser meus visavôs"
por Dinis Costa
bom texto amigo Dinis. De facto enriquece o nosso acervo, resolvemos partilhar com todos os leitores.
ResponderEliminarnão imaginam a saudade que senti ao ler este texto! as memórias... as pessoas... obrigado Dinis
ResponderEliminarposso dizer uma coisa, mesmo não sendo politicamente correcto? este Toural era melhor do que o actual.
ResponderEliminarIlustre conterrâneo, o texto baseado em recolhas, foi escrito apressadamente, como transparece ainda não havia a estrada. As minhas experiências de infância e juventude foram dolorosas e por isso são inesquecíveis, sinto-as no meu íntimo. E, por outro lado, sou feliz quando acrescento Valor ao mundo e quando aprecio Valor no mundo. Por isso fico feliz sempre que posso contribuir para que alguém tenha também nostalgias dolorosas e felizes. Abraço
ResponderEliminarEste texto não precisa ser assinado, reconhece-se bem o autor. Mas transporta-nos para um tempo que não sendo o meu, me é familiar e me tráz saudades de uns tempos que passavam mais devagar...Obrigado pela partilha do texto.
ResponderEliminarLembro que a narrativa também anterior à minha existencia. Um dia destes partinho a segunda parte e os responsáveis do blog farão o que entenderem. Obrigado pelo comentário.
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