- Os cobertos faziam de entaipa, com abertura no lado de baixo e do lado de cima, arrebatiam o gado grande. Até protegiam dos ventos em dias maus…
- Na ponta dos cobertos era a taberna do Martins, que também era soqueiro, da Freiria, que bendeu (vendeu) tudo e foi pra Chaves, nos dias de feira, que bendia (vendia) binho (vinho) ao copo e até remeias dele, e iscas de bacalhau, probable (provavelmente) fritas, com ovo em bola de cantos. Na borda de baixo, havia a taberna do João ferrador, que até petiscos fazia. Olhe! A primeira vez que fui às segadas fui lá pagar uma remeia (transmontanismo- Medida de líquidos que corresponde a meio cântaro ou 6 litros, ou ainda a 3 canadas),de vinho prós homens da camarada, porque era o uso fazer-se.
No dia de feira, lá estavam os homens em pé em roda imperfeita, de navalha a cortar o apresigo sobre o pão, vigilante o cão aguarda, com cautelas, avança esquivo e recua, espera o cibo que cai quando se pegam nos copos ou, a argana cuspida. Limpavam a boca às costas da mão e depois de copo a fazer beicinho de beijo engoliam e num afastar de lábios, sonoro, de satisfação. Que bela pinga!
Continuavam o murmúrio de conversa próprio de feira.
- À frente dos cobertos corria a rua e do outro lado também havia duas ou três mesas grandes de pedra, já me não alembra (lembra) bem, diziam que era tudo do morgado. Aquilo era só gente e algazarra para um lado e para o outro…
- Este lado era mais das mulheres quer dezer (dizer) eram mulheres e homens. Mas aqui elas riscavam mais: mulheres belhas (velhas) de lenço, de saias grandes, escuras, abentais (aventais) e socas debruadas, socas de verniz que brilha, era o luxo que as mulheres tinham, mais as raparigas casadouras que mostravam a cabeleira luzidia. A bolsa do dinheiro era uma saquita de pano, dependurada debaixo do avental. Havia tendeiros, as tendas eram fracas um pano no chão e já estava, até havia uma treideira (tendeira) no Banho, no bairro dá’lém, que se chamava Bernardina,… tudo espalhado, junto a seguir os rolos de tecidos, as linhas as agulhas, botões, os ganchos, travessas, pra fazer o poupo de roda na cabeça, e espelhos pequenos, broxas (brochas), nabalhas (navalhas) e realejos prós rapazes….
- Sestas com ovos, sestas com coelhos tapados, por um abental (avental) velho amarado aos bordos da sesta pelos atilhos, e galinhas, com guita…
- Habia (havia) sementes prá laboura (lavoura); linhaça, trevo, nabinha, sevada, milho, centeio e feijão chícharo lá ia um ou outro com uma saquixita (saquita) com uma quarta,- sacos arregaçados e de boca aberta.- Chapéus, de panha, espalhados pelo chão, molhos de seitoiras cestas e cestos grandes de vergame -tiras de castanho bravio…
- Balsas e baldes de madeira e pipos piquenos (pequenos). Coisas de latão, de zinco. Tudo que havia se vendia e comprava mas, o dinheiro era pouco… (…)
- Já me ia esquecendo, habia muita loiça de barro preto, alguidares, grandes e pequenos, uns dentro dos outros nas cargas, bilhas de água fresca…
- Olhe! Bou-lhe (vou-lhe) contar uma que escutei quando era moço, antes do Morgado, no tempo dos reis, quem mandava era a Granja, então quando se entrava em Jou, no sabugueiro, na madorra probable , os de fora, os vendedores que vinham à feira tinham que se anunciar, que ter autorização, e uma vez hoube (houve) um foi prá feira, vender loiça, sem pedir licença e então o da Granja soube e mandou que se apresentasse com o material. O homem foi amedrontado.
- Então o senhor não sabe as regras? Os costumes que são lei?
O homem tentou justificar-se mas não teve oubidos (ouvidos) e, o senhor das terras de Jou disse-lhe:
- Tire a loiça da carga e estenda ai no pátio que eu quero ver o que trazia para a venda.
- Ponha-se no meio!
Mandou dar-lhe o cajado do pastor, era casa de rebanhos, pra se defender. Quando estava bem no meu da loiça sobou-lhe (açulou-lhe) os cães e dizia:
- Defenda-se se quer sair daqui vivo! Arrebata homem, senão eles esfolam-no bibo (vivo). Erra um sarrabulho: O homem pra qui, e prá li com o pau e com os socos ia partindo a loiça quando se defendia e, ele continuava a sobar-lhe (sovar-lhe) os cães que davam uma ajuda com as patas, prá frente e arrecuas, sempre a mostrar os dentes.
Quando todas as peças estavam botinadas (esbotenadas) muxiladas (mutiladas) mandou arredar os cães e disse-lhe:
- Agora carregue todos os cacos se não ainda lhe mando reter a cavalgadura.
O homem transpirava, tremia, e apanhava às pressas, todos os cacos.
- Estava todo esfoirado probable!.
- Agora ponha-se fora das terras de Jou e leve os cacos. Todos!
O homem ia saindo às arrecuas e ainda agradecia. Então ouviu:
- Espere ai! Venha cá!
O homem pensou o pior: deve ter julgado que ficava preso ou sei lá!
- Quero saber qual foi a perda!
- Diga lá!
- Diga homem!
O homem, acanhado, ficou sem perceber e com medo de piorar a situação lá foi dizendo a gaguejar. De seguida mandou que tudo lhe fosse pago, ainda era em réis!
O homem nem acreditava no que oubia (ouvia) e desfez-se em agradecimentos querendo beijar as mãos do senhor das terras de Jou.
- É uma porra! Que grande lição lhe deu!
(…silêncios a matutar…)
- Pelos jeitos, aquilo era gente importante! Até tinham pedra. Com o se diz?
- Pedra d’armas…
- Era isso mesmo! Nem sei bem o que isso é! Eu nunca a bi (vi) mas aquilo probable tem alguma arma desanhada (desenhada). Mas, oubi dezer (dizer) que esta na tarraixa (tarraxa) dum lagar…àssobradar (a assobradar) … lá na Granja.
- Também já me constou…
- Então, naquele tempo, havia tudo na feira?
-Tudo não! Habia coisas que tinham que se comprar fora… Outras coisas, encomendavam-se aos mestres que havia na aldeia, o latoeiro, que fazia bacias grandes pra dar banho aos meninos, candeias grabanos;(transmontanismo:Cabaço, ou vaso de fôlha, o mesmo que garabanho.), pra tirar água, o carpinteiro que também fazia e o ferreiro também fazia umas coisas e às tecedeira que faziam as mantas de farrapos e de lã…O José latoeiro da Freiria também negociava em recos, foi ai que ganhou bom dinheiro para educar as filhas…tinha muitas… e ainda comprou uns terrenos.
- E, no Toiral, também sempre me lembra haver comércio de rasgar, fazendas. Quer dezer: panos e outras coisas também habia numa mulher, já velha, que casou com o Albano, que morreu logo com uma infeção duma agulheta debaixo duma unha, já casado com a D. Deolinda, do rio, que tinha casado com um tio, já idoso, para receber herança e não pagar ao estado, que casou com o Grigório (Gregório), era rica, bem queria mas era seca, machorra! Coitada!...
- Já oubi dezer :“O casamento por amor traz pobreza e o casamento por interesse traz maleita”.
- Dizia-se que na casa do Luis “das gaitas”, que se casou três bezes (vezes), é que hoube (houve) o primeiro comércio no Toiral!
- Junto à casa dele (lado nascente do largo) é que era a feira dos recos. Olhe! bou-lhe (vou-lhe) contar uma dos recos que me contaram quando eu era rapaz...(continua)
por Dinis Costa
Muito bem... Houvir lembrar as fala dos meus conterrâneos, nesse tempo em que havia honestidades caracter e puresa de espirito...
ResponderEliminarQue saudades.