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    sexta-feira, 9 de novembro de 2012

    Os salta poldras: rapazes, moleiros e mercadores


    Em Penabeice já se fez, o caminho à caminhada e vai, vai, ficando mais canelho lá longe, de uma só rodeira onde passa o burro e os rapazes afoitos. Fica um trilho impercebível, também porque é menos trilhado, por agricultores seus animais e afazeres. Mas, os rapazes, esses, sempre foram, a Curres em busca do que é consentido, procurar, com reservas:
    “Sim! Porque eles binham ao xeiro e, nós os do Concelho da foice, eramos mais, no inberno, arrebatiamos, uns dum lado outros do outro, e eles, a fugir, botavam-se ao rio quando a lebada ia grande ou habia carambelo é que nós fazíamos isto (risos). Eramos uns Bazofias, os rapazes de Curres! Porque sabe em terra estranha as bacas escornam os bois. Nunca oubiu dezer esta?
    Era bê-los fugir: Uma rizada! Daba-nos prá quilo! E, depois eramos todos amigos!” (Senhor Alberto “Cantador”)
    Há uma espécie de fronteira simbólica - de um lado o Concelho da Porca, do outro, o Concelho da Foice - que também é física, recorta-se ao longe a montante, a alfândega, bem marcada, a tocar o céu, pelas fragas do Poio. Sempre me lembra lá estarem, as casas dos guardas, corvelas que tudo fiscalizam, grasnando. Voam alto e visitam terras de Jou, sobrevoando as fragas da Sala, do Gralho, do Moço morreu e de Santa Isabel.
    Sentem-se seguras nas alturas, ali, onde eu na minha juventude tive receios e suores. Mas, já no cimo, fui a gatinhar e deitei-me a espreitar, de pescoço em ponta-de-pés, colado ao chão a respirar pó, a ver se vislumbrava os ninhos. Estava tão alto e até me faltava o ar, sentia as pequenas pedras todas, até as que lá não estavam, debaixo do peito. Depois de espreitar cheguei-me para trás a contemplar o rio lá no fundo e as fragas do fundo do muro, igualmente únicas, que dizem para o rio: Por aqui não passas!
    Mas o rio sempre teima e sempre passa; olha com desdém o obstáculo, segue para norte, olha-nos de frente.
    Que paisagem maravilhosa! Valeu o esforço da subida. Se valeu!
    …/…
    Agora já em terreno firme, sentado, ouço uma história que vem de longe:
    “Diz-se que nos tempos da fome os rapazes vinham aqui aos ninhos dos corvos. A outra carne já tinha acabado na salgadeira e então eles vinham aqui tirar ninhos para fazer uma merenda. Era tirar a barriga de misérias! Aquilo era uma trabalheira: primeiro um que fosse pastor, para não viram cá de propósito porque era longe, tinha que observar as crias para ver se já estavam quase criadas.
    Depois combinava-se o dia, mas não podia ser ao domingo, porque tinham medo do castigo de tirar os ninhos ao Domingo. Porque era arriscado! Era necessário trazer o material todo.
    Era assim: O mais leve e destemido era metido dentro dum cesto almudeiro que era bem preso por cordas que passavam nas asas. Levava um pau e um saco, o pau era para se defender dos pais, se fosse preciso, o saco era para arrecadar os ninhos. Nas asas também prendiam umas gitas para puxar prós lados. Os fortes ficavam aqui no cimo e iam dando corda até ao fundo tinham que medir, depois quando a fraga já dava outros iam à volta ajudar na recolha. E, assim, naqueles tempos se tirava a barriga de misérias. Era arriscado!”
    …/…

    De jusante a montante, orienta-nos o rio bordado por freixos e amieiros, alguns vimieiros e choupos, de um lado a boca do castelo, a ribeira de baixo e de cima e a encosta do poio, do outro, escorrem ribeiros: do gralho, do muro, do ribeirinho novo, ribeiro do pão e vale de Curros.
    O caminho de serventia, que tudo trazia para casa, corre nas margens do rio e é empurrado e encaminhado pelas rochas perras. Aqui e além, vai mergulhar na água fresca do ribeiro e vai mudando de margens. Passagens ou açudes onde os rapazes saltavam, como cabritos, ou então calçado fora e calças acima. O moleiro e o mercador sempre podem usar a docilidade do burro, que é trapalhão nestas andanças, que usa cautelas até molhar os cascos depois busca terra firme, em repelão….
    Agora são caminheiros, quase romeiros, que vão em romaria a um dos altares mais belo das nossas terras e terras vizinhas. 


    DSLC
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