• Nós por Cá

    quarta-feira, 26 de maio de 2010

    Fernão de Magalhães Gonçalves: Biografia, vida e obra em linha

    No passado mês de janeiro, fazia anos, se fosse vivo o nosso conterrâneo Fernão de Magalhães Gonçalves.
    O Grémio Literário Vila-Realense no âmbito dos ciclos de poesia Transmontanos e Alto-Durien-ses, passou a disponibilizar no seu site uma biografia que consideramos, “muito bem elaborada”, que virá certamente enriquecer a informação sobre este escritor oriundo de Jou.
    Neste sentido passamos a transcrever essa informação para que seja do conhecimento de todos os jouenses.
    Fernão de Magalhães Gonçalves nasceu em Freiria, lugar da freguesia de Jou, concelho de Murça, em 6 de janeiro de 1943. Era filho de José Maria Gonçalves, proprietário e comerciante, e de sua esposa D. Teresa de Jesus Magalhães. Viria a falecer inesperada e prematuramente em Seul, capital de Coreia do Sul, em cuja universidade exercia funções de leitor de português, a 8 de junho de 1988.
    Aos seis anos já sabia ler, ensinado por seu pai, tendo por cartilha as Vinte horas de liteira de Camilo Castelo Branco, segundo o próprio poeta recorda. Terminado o ensino primário em Murça (Jou), em 1953, os pais escolheram para ele uma carreira religiosa, tendo ingressado no mesmo ano no seminário franciscano de Montariol, perto de Braga. Passou seguidamente pelos conventos do Varatojo, Leiria e Lisboa. Acabou por abandonar a carreira, por manifesta falta de vocação, deixando um testemunho pungente dos anos de seminário e da difícil e agónica decisão do abandono num livro forte e frontal intitulado Assinalados, saído postumamente em 1989.
    Mas a sua passagem pelos estabelecimentos de ensino religioso não terá sido em vão, já que lhe proporcionou vastos conhecimentos de Teologia, Filosofia e também Literatura. Foi aí que leu a obra de vários escritores portugueses e estrangeiros, com relevo para a de Miguel Torga a que tanta atenção dedicaria depois, na sua atividade ensaística. Também a vocação literária se terá manifestado aí, e muito cedo, pois logo aos dez anos o vemos colaborar numa revista editada pelos padres franciscanos.
    Em 1964 saiu do convento e logo em 1966 iniciou o serviço militar, tendo sido mobilizado em 28 de novembro de 1967 para a Guerra Colonial em Angola, donde regressou em Dezembro de 1969.
    A sua carreira, a partir de então, irá desenvolver-se na área do ensino, embora só em 1980 tenha concluído a licenciatura em História pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Começou a sua atividade de professor do ensino secundário em Murça, em 1970, seguindo-se passagens por Vouzela, Porto e Chaves. Nesta última cidade permanecerá dez anos da sua vida, lecionando nas Escolas Secundárias Fernão de Magalhães e Dr. Júlio Martins.
    Em 1984, dá um novo rumo à sua vida, ainda que no âmbito das atividades pedagógicas: passa a exercer funções de leitor de português na Universidade de Granada, Espanha. Esta atividade permitiu-lhe levar àquela cidade do país vizinho uma panorâmica da cultura portuguesa, convidando para se deslocarem ali escritores e artistas nacionais, para conferências e concertos. A sua ação em Granada e a sua capacidade de motivar podem avaliar-se por um dado interessante: quando chegou, havia dois alunos no Curso de Português; passados quatro anos, esse número ascendia a 350!
    Em 1987, transfere-se para Seul, capital da Coreia do Sul, para exercer funções semelhantes na universidade local. Também aqui levou a efeito uma ação de divulgação de Portugal e dos seus valores culturais, criando nos alunos curiosidade pelo nosso país. Mas a estadia ia infelizmente ser de pouca dura. Em 8 de junho de 1988, em plena rua, sofreu um ataque fulminante que o matou.
    Podemos dizer que a sua vida foi curta mas intensa. Entregava-se por inteiro às causas que abraçava e em que acreditava, nomeadamente a da difusão dos valores da nossa cultura e da nossa literatura. Foi um grande viajante na sua terra, fruto do amor que sentia por tudo quanto era português.
    Testemunhos insuspeitos dão-no como um homem fora do comum, de uma simplicidade desarmante e grande sentido de humor. Tinha tempo para o supérfluo. Foi um apaixonado por todas as expressões criativas, hipersensível, idealista e obcecado pela tragédia do real e pela magia do maravilhoso. Era emotivo, afetivo, trabalhador, desorganizado, ou talvez melhor, organizado à sua maneira pessoal.
    Em sua memória, foi instituído um Prémio de Poesia anual pelas Câmaras Municipais de Chaves e Murça, e criada uma pequena Editora (Tartaruga) que tem dado a conhecer muitos dos nossos autores contemporâneos, nomeadamente os trasmontanos.
    A atividade literária de Fernão de Magalhães Gonçalves distribui-se por três áreas distintas: a poesia, a narrativa curta e o ensaio. Vimos como o seu interesse pela escrita recua até aos dez anos de idade, em que começa a dar colaboração uma publicação periódica.
    No plano ensaístico, são especialmente relevantes os estudos que dedicou a Miguel Torga, com quem conseguiu uma relação de alguma afetividade e cumplicidade literária. Indispensável também referir um corajoso Manifesto por uma literatura legível (Coimbra, 1979, com reprise em 1980), em que se interroga sobre os caminhos da moderna literatura, enredada num hermetismo que compromete a sua legibilidade. Palavras de Fernão de Magalhães Gonçalves: As suas [do escritor] palavras não são para ninguém, não há ninguém a quem ele queira dizer alguma coisa, ele não escreverá dizendo alguma coisa. Encherá um molde. Fabricada a estrutura com a tal massa parda e residual da escrita, está o serviço acabado. A prática cabe na teoria, a teoria assenta bem na prática. Vira-se o molde de cima para baixo, põe-se o pudim num prato. Simplesmente, ninguém o come. Além de parda, a massa não sabe a nada. Ninguém lhe pega. O estômago não a leva. Indigerível. Ilegível. E, a terminar o ensaio: (...) Uma literatura que parece cada vez mais capacitada de que só é bom aquilo que não se percebe? Aquilo que é ininteligível. Aquilo que é ilegível. Terão os escritores portugueses compreendido que, nos termos atuais, a literatura pode, de um momento para o outro, tornar-se uma velharia insólita?
    Na área da ficção, publicou um livro de contos de temática rural (Modo de vida, 1988), em cuja contracapa se lê que são histórias de amor e de violência, de ódio e de servidão, de paixões simples e emoções complicadas. Publicou também um livro difícil de catalogar, a meio caminho entre a ficção e o diário (Assinalados), a que já fizemos referência.
    São três os seus livros de poesia (Andamento, 1984; Memória imperfeita, 1987; Júbilo da seiva, 1988) a que há que acrescentar a tradução para castelhano de uma seleção de poemas (Nueve poemas, 1987) e uma antologia póstuma (Obra poética, 1991). Não é, como se vê, uma produção muito extensa, mas a relativa exiguidade é compensada por uma notável intensidade e capacidade de emocionar. Fernão de Magalhães Gonçalves é daqueles poetas que se entregam sem reservas à poesia, como ato totalizador da experiência pessoal. Cada lugar por onde passa lhe suscita um poema. A experiência religiosa e concomitantes inquietações são outro filão poético sempre presente na sua obra, assim como um erotismo subtil e contido. Aprendi que a poesia é a erupção do esquecimento, o re-encontro com as sensações puras perdidas, confessa na contracapa de Andamento.
    A sua linguagem poética aproxima-se da matriz surrealista, mas de quando em quando faz concessões à rima e a um discurso mais logicamente organizado, logo mais imediatamente apreensível, que o põem na linha de outros poetas, como Miguel Torga, com quem manteve uma cordialíssima relação pessoal e de cuja obra foi um dos principais estudiosos e admiradores.


    Grémio Literário de Vila Real
    • Comentários
    • Comentar via Facebook

    0 comentários:

    Enviar um comentário

    Item Reviewed: Fernão de Magalhães Gonçalves: Biografia, vida e obra em linha Rating: 5 Reviewed By: Admin
    Topo